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O pioneirismo de Iracema Casagrande – A primeira professora de Tangará da Serra

Alexandre Rolim / Especial DS 13/02/2023 Memória

A ilustre professora que entrou para a história ao transformar a educação de Tangará da Serra há mais de 50 anos

Memória

O pioneirismo de Iracema Casagrande – A primeira professora de Tangará da Serra

Há exatos 60 anos começava em Tangará da Serra o processo de construção de uma história simples que se transformou em legado. Naquele 1963, caminhões, carregados com mudanças de famílias vindas do interior de São Paulo, aportavam no lugarzinho conhecido apenas como Reserva, situado às margens da MT-480, a cerca de 10 quilômetros do local em que hoje está instalada a sede de Tangará da Serra.

A propaganda feita pela Sociedade Imobiliária Comercial Tupã para Agricultura (SITA), no interior dos estados de São Paulo, Minas Gerais e no norte do Paraná, informando sobre terra fértil em Mato Grosso, mais especificamente na região do município de Barra do Bugres, trouxe dezenas de famílias para as terras localizadas no alto da Serra Tapirapuã. Essas famílias criaram o que talvez nem imaginavam que se transformaria em uma das cidades mais ricas, bonitas e prósperas do estado.

Em um dos muitos caminhões que chegavam por aqui estava a mudança da senhora Iracema da Silva Machado Casagrande, que veio com o esposo, Desidério Casagrande, de Rinópolis (SP), sua cidade natal, para a ‘comunidadezinha’ da Reserva, na época uma das regiões mais povoadas de Tangará da Serra, composta por mais de 40 famílias que produziam café, arroz, milho, feijão e amendoim. Para chegar à comunidade da Reserva era por uma estradinha de chão, uma espécie de picada, e a maioria das pessoas fazia o trajeto a pé.

A escolinha rural

Apesar da propaganda atrativa da imobiliária, a comunidade não possuía muita estrutura, nem mesmo escola, uma necessidade para qualquer comunidade onde há crianças. Foi aí, diante dessa necessidade, que surgiu a primeira instituição de ensino do município e a nomeação da primeira professora. No dia 18 de junho de 1965 Iracema Casagrande foi empossada no cargo de professora da então Escola Rural Mista Municipal “Santo Antônio”, construída na propriedade rural de Antônio Galhardo, que era cunhado da Professora Iracema.

Ali ela ficaria até 1983, contribuindo ao longo de quase duas décadas para o surgimento de uma sociedade civilizada e preparada para o futuro. Na época, a escolinha se resumia a uma espécie de rancho feito de coqueiro e coberto de tabuinhas, com bancos também de tábuas rústicas e uma pequena lousa. A escolinha atendia 18 alunos, sendo nove meninos e nove meninas. No dia da inauguração teve até a presença do então prefeito de Barra do Bugres na época, Wilson de Almeida, e do gerente da colonizadora SITA, Antonio Hortolani.

A vida no sítio e o desafio de ser professora

Iracema vivia com o marido Desidério Casagrande e com o restante da família no sítio Nossa Senhora Aparecida, onde produziam café. Um espaço completamente construído pela família, com vasto campo onde chegou-se a plantar até 20 mil pés de café, além de túlia, barracão e três casas. Apesar de ter estudado apenas até a 4ª série do ensino fundamental, na época Iracema foi apontada pela própria comunidade para assumir a educação das crianças na escola. E assim ocorreu: ela foi nomeada professora da escolinha rural.

“Eu comecei a dar aula sem saber como começava. Porque eu nunca tinha dado aulas”,

disse a professora Iracema em entrevista a Kátia Maria Kunntz Beck, em 2015, em material para a construção de dissertação de pós-graduação.

“Não tinha preparação (…), o que eu aprendi desde a primeira série, eu comecei a ensinar para minhas crianças”,

completou.

Foi assim por 18 anos. Iracema não era apenas a professora, mas também a merendeira, a secretária escolar, a responsável pela limpeza, pelo atendimento aos pais e muitas vezes pela escrituração e organização da pequena unidade educacional.

Somente mais tarde, após os 50 anos de idade, Iracema conseguiu concluir o 2º grau. Em suma, apesar de sua pouca instrução na época e sua inexperiência, Iracema Casagrande era considerada apta e responsável pelo ensino das primeiras letras aos filhos de trabalhadores e, para as famílias nos idos da segunda metade do século XX, isto era a garantia de um futuro próspero.

O sonho de ser professora

Iracema teve uma trajetória, desde a infância no interior de São Paulo à escolarização e a migração para Mato Grosso, marcada pelo desejo de se tornar professora. Narra a história que ela, aos 10 anos de idade, em Pitangueiras (SP), já demonstrava seu sonho em lecionar. Entre as coleguinhas, durante as brincadeiras, ela já era colocada para ensinar. O que era uma brincadeira se transformou em um sonho e mais tarde se transformou em realidade. Somente aos 9 anos de idade ela ingressou na escola, em 1937. Em 1942 concluiu a 4ª série. Era aluna aplicada e todos os conhecimentos adquiridos na época foram utilizados duas décadas depois para ensinar outras centenas de crianças já em solo tangaraense.

Casamento, filhos e a mudança de estado

Iracema casou-se com Desidério em 28 de agosto de 1947, na cidade de Rinópolis (SP). Com ele morou em fazendas onde era produzido principalmente café. O casal teve oito filhos: Álvaro, Ailton, Adelson, Aparecida, Terezinha, Adalto, Maria José e Adalberto. Os dois últimos nasceram em Tangará da Serra. Em 1960 o marido veio para Tangará com mais alguns parentes e gostou do lugar, adquirindo um pedaço de terra na região da reserva, que era um local ainda com mata fechada e deveria ser aberto para posterior início da produção agrícola e criação de animais.

A família mudou-se para Tangará em 1963. Era outubro quando chegaram ao lugar desconhecido: Desidério, Iracema, seis filhos, sendo o mais velho com 15 anos e o mais novo com 1 ano e meio, além de outros parentes vieram para um sertão formado por mata preservada e poucas casas. No começo ela ficou contrariada, pois ficaria distante dos pais e irmãos, que ficaram no estado de São Paulo.

“Vim conhecer o sertão, que era sertão mesmo, só tinha uns rancho, tudo feito de madeira. Ou era madeira de pau partido ou era de coqueiro, as casas. Não tinha nada”,

contou Iracema em entrevista, em 2015.

De São Paulo, Iracema trouxe, além de lembranças e muitas saudades, apenas alguns móveis, como uma máquina de costura, um guarda-roupa e um rádio, assim como mantimentos, como alimentos e remédios, dentre outros utensílios considerados indispensáveis. Primeiro, ela e a família moraram sob uma espécie de barraca improvisada, uma armação que era chamada de “encerado”. Somente depois veio o rancho, feito de madeira partida, espécie de tábuas bem rudimentares. Era um casebre com quatro peças, todas pequenas. Um pouco mais tarde a família passou a morar em uma casa maior, feita de tábuas de coqueiro, com duas salas, três quartos, cozinha grande.

A morte de Iracema aos 90 anos

A professora Iracema da Silva Machado Casagrande faleceu aos 90 anos, na madrugada do dia 25 de janeiro de 2019, em Tangará da Serra, cidade que adotou e onde foi acolhida. Em edição do dia 28/01/2019, o Diário da Serra noticiou o óbito de Iracema, em decorrência de complicações nos rins, após permanecer internada por vários dias em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Ela deixou raízes fincadas em solo tangaraense. Com seu Desidério, que faleceu em 2007, ela teve 8 filhos, os quais lhe deram 19 netos, 16 bisnetos e 4 tataranetos.

A HOMENAGEM

Através das Leis Nº 5.619, de 17 de dezembro de 2021, e 5.893, de 08 de dezembro de 2022, a Câmara Municipal propôs a nominação de uma creche que estava em construção no Jardim dos Ipês, como "Professora Iracema Casagrande". Com isso, a Prefeitura Municipal, por meio da Secretaria de Educação (Semec) nomeou a escola como Centro Municipal de Ensino Professora Iracema Casagrande, localizada na Rua dos Cambarás, esquina com a Rua dos Mognos, área de reserva 32, no Bairro Jardim dos Ipês.

O ano letivo na escola novinha em folha começará na próxima segunda-feira, dia 13 de fevereiro 2023, atendendo inicialmente 336 alunos. A inauguração oficial do Centro de Ensino ocorrerá em maio, ocasião do aniversário de Tangará da Serra.



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