Diário da Serra
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MARIKO TANOUE – Cecília Capucho, uma mulher que aprendeu a contornar as dificuldades

Rosi Oliveira / Especial DS 27/01/2023 Memória

Mariko Tanoue trocou de nome, mas jamais de essência

Mariko Tanoue Capucho – Cecília Capucho

Cecília Capucho, uma mulher que aprendeu a contornar as dificuldades

Quando olhamos para a Tangará da Serra de hoje, não fazemos ideia de como tudo iniciou. Não temos a mínima noção do que os desbravadores passaram para termos o que temos. E dentre essas pessoas temos algumas que não desbravaram, mas chegaram aqui quando homenagens à pessoas e suas famílias que ajudaram e contribuíram para que a cidade se tornasse o que vemos nos dias atuais. Pessoas, que muitas das vezes, foram responsáveis por podermos usufruir do que temos nos dias atuais. Que chegaram aqui quando tudo ainda era incerto e muito pouco havia.

O Memória de hoje conta a História de Mariko Tanoue Capucho que chegou em Tangará da Serra com sua família no ano de 1969.

Mariko era de descendência japonesa e nasceu no Brasil em 18 de novembro de 1942, em Araçatuba-SP. Ao nascer já teve que enfrentar uma de suas primeiras barreiras em um país diferente do seu. À época em que foi batizada, a igreja não fazia batismo com nomes não brasileiros. Sendo assim, na igreja, no dia do batismo, recebeu como nome brasileiro Cecília, o qual adotou e lhe fez conhecida.

O INÍCIO

A família chegou ao Brasil logo após a guerra, quando tudo era muito difícil. Sonhando com dias melhores, os pais de Cecília decidiram mudar de país, escolhendo o Brasil para recomeçarem a vida. Ao chegarem aqui, foram para o Araçatuba trabalhar com a terra, em uma propriedade rural aonde ela nasceu, sendo a segunda filha do casamento.

Aos 10 anos recebeu talvez, o maior golpe da vida, ficando órfã de pai e mãe. A partir disso foi morar com um dos irmãos, em Paranavaí-PR e iniciou seus estudos. Quando entrou na fase da adolescência iniciou um curso de cabeleireira, profissão que exerceu por toda a vida.

Cecília atendia em casa e sempre trabalhou para si. Como era dedicada e imensamente responsável, tinha uma clientela grande e fixa. Certo dia, foi à uma residência para atender duas mulheres, e ali, conheceu aquele com quem construiria sua família.

“Eu trabalhava em um cartório em Sumaré, um distrito de Paranavaí, aonde ela e o irmão moravam, mas ela trabalhava como cabeleireira em Sumaré”,

conta o esposo, José Gonçalves Capucho.

José ao vê-la ficou encantado e como Sumaré era um lugarzinho pequeno ainda, não foi difícil descobrir aonde morava, quem era, e de quem era parente.

“Eu estava fazendo a escola técnica de Comércio em Paranavaí e vinha toda noite, cidade pequena e ali começamos a entrosar”,

recorda.

Conquistar Cecília não foi muito difícil, mas o mesmo não aconteceu com a Colônia Japonesa da qual ela participava.

“Na época brasileiro não podia casar com japonês”,

relata.

Conforme os relatos de Seu José, Cecília morava com o irmão mais novo em um pensionato em Sumaré, aonde era Cartorário. Com as histórias parecidas, que giravam em torno de solidão, os dois foram se aproximando mais e mais.

À época, ele era visto como um paquerador e isso o colocou numa posição nada favorável, sendo inclusive advertido por sua mãe, Dona Carolina que foi atendida juntamente pela nora por Cecília no dia em que se conheceram. A mãe ao ser avisada pela nora de que José estaria cortejando Cecília já o chamou de canto e lhe disse que se não fosse sério não levasse adiante, mas José já estava apaixonado e continuou a insistir no namoro.

“Menino solteiro, tinha 22 anos e namorava aqui e ali e num lugar pequeno, todo mundo sabia da vida de todo mundo”,

conta Seu José aos risos ao se lembrar, deixando claro que somente namorou aqui e ali enquanto Cecília ainda não havia passado em frente aos seus olhos, porque depois disso, ela era a escolhida do seu coração, com toda certeza. Com o passar dos anos, que foram dois, o casal inicia conversas sobre o casamento, mas a colônia novamente foi empurrando os dois, ‘cozinhando em banho Maria’, como se dizia para ver se desistiam. Novamente veio à tona a cultura da época de que as diferenças não poderiam ser descartadas.  Embora o namoro não agradasse, a desistência não aconteceu, levando os dois a planejarem uma juntada de escovas sem que ninguém soubesse. Mas, Cecília deixou claro que somente iria se antes se casassem. Como José sabia que não teriam o consentimento e que não teria apoio para isso, teve uma ideia: fez ele mesmo a Certidão de Casamento já que era responsável pelo cartório da cidade e numa noite, o casal ‘fugiu’, termo bastante usado à época e foi para Londrina. Mas Seu José contesta a palavra ‘fugidos’.

“Não foi bem fugido não. Eu tomava conta do cartório e eu mesmo fiz o casamento. Lavrei no livro e bati a certidão”,

comenta rindo bastante. Seu José fez o casamento (Certidão de Casamento) no dia 12 de dezembro, mas somente levou Mariko embora após as festividades de final de ano de 1964 porque ela havia agendado muitos atendimentos e somente aceitou partir após honrar os combinados.

Quando retornaram de Londrina, foram morar na pensão aonde ele morava. Ali logo depois de chagarem, receberam a visita do Juiz de Paz que foi até lá cobrar a reparação por parte dele, ou seja, o casamento, mas José apresentou a Certidão de Casamento que estava inclusive assinada pelo Juiz de Paz que seria o senhor que o estava cobrando. Conversa vai, conversa vem, uma vez que o documento estava em mãos, o casamente restou válido porque não havia como voltar atrás.  O casal se casou na igreja com a presença dos familiares tempos depois.

Os dias passam, e o casal consegue alugar uma casinha.

“Lá ela levou as coisinhas dela numa malinha e eu levei em um saco. Ela arrumou as coisas dela e depois foi arrumar as minhas. Quando abriu o saco encontrou bastante coisas de pesca, roupas mesmo tinha bem poucas”,

sorri o narrador feliz.

Tangará da Serra: Cidade que amou e desempenhou sua missão de vida

Seguiam a vida ali, ele no Cartório e ela atendendo como cabeleireira e após dois anos de casados veio o primeiro filho que recebeu o nome de José Capucho Júnior, sendo seguido logo depois pelo nascimento do irmão, James Gonçalves Capucho.

Em Sumaré ficaram por aproximadamente um ano e meio e depois foram para Santa Cruz de Monte Castelo, aonde alugaram uma casinha e ali também, Cecília montou seu salão de cabeleireira, mas continuou atendendo nas casas. Ficaram por dois anos e depois mudaram para Querência do Norte aonde dessa vez já conseguiram comprar uma casa. Com essa decisão e possiblidade, tudo levava a crer que firmariam pra sempre suas raízes, mas, a vida tinha algo maior para José e Cecília. Certo dia, o irmão de Cecília que tinha um caminhão foi contratado para levar uma mudança pra Rio Branco, no Acre. Menino novo, com pouca experiência e que não conhecia as estradas e o caminho convida o cunhado para o ajudar e José aceita. No ano de 1967, os dois saem em viagem, foram com o caminhão cheio e estavam retornando vazio, quando o cunhado de José decide comprar feijão para levar e revender. Os dois chegaram a Diamantino, aonde informaram o rumo  aonde encontrariam o que procuravam.

“Viemos por esse estradinha de Santo Afonso”,

relata.

Compraram as sacas de feijão que eram baratas inclusive, e retornaram já por Nova Olímpia. Aqui fizeram amizades e retornaram diversas vezes trazendo mudanças no famoso ‘pau de arara’. Com isso, Seu José começou a fazer a cabeça de Cecília dizendo que aqui não tinha cabeleireira nem contador. Dizia que ficariam aqui por uns cinco anos fazendo dinheiro e depois voltariam. ‘Água mole em pedra dura tanto bate até que fura’. E assim a esposa aceitou vir, e em 1969 chegaram a Tangará da Serra em construção, sendo Cecília, a primeira cabeleireira do município.

“Lembro que quando fomos embalar as coisas, ela recomendou bastante pra embalar com todo cuidado a penteadeira de trabalho dela e assim eu fiz com todo zelo, porque era o ganha pão dela. Alugamos ali em  frente ao Gotardo uma casinha de madeira, chão de terra coberta de ‘tabinha’  e fomos descarregar as coisas. Ela toda feliz agradecendo porque estava tudo inteiro, dizendo que era uma bênção, e veio um redemoinho e jogou a penteadeira no chão que quebrou todinha”,

relata gargalhando da lembrança.

Conforme os relatos de Seu José a esposa chorou muito, mas teve que se contentar de iniciar o salão com um espelhinho comprado.

Ao se estabelecer em Tangará da Serra Cecília percebeu que haviam muitas pessoas necessitadas e passou a seu modo, ajudar. Logo iniciou a participação em um grupo espírita (sua denominação) e aos poucos tornou-se muito conhecida. Tanto por sua profissão, quanto por seu bondoso coração.

“Ela era de um desprendimento total. Eu não lembro da Cecília nunca ter me pedido um dinheiro para comprar uma roupa, um sapato e o que ela ganhava era pra família e ajudar os outros. Nunca pensava nela. Trabalhava dia a dia e ajudava a quem precisava”,

ressalta Seu José. Cecília era espírita e se reunia com um grupo que a Dona Odete que foi responsável pela Casa dos idosos participava e também com Seu Ramon Sanches Marques.

Com o passar dos anos, ela mesma tomou gosto pela cidade e aqui compraram um terreno aonde construíram a casa, o salão de Cecília e o escritório de contabilidade de Seu José.

Em Tangará da Serra nasceram os filhos Josmar Tanoue Capucho e Jane Carolina Capucho. Passaram pela fase da Malária quando muitos perderam a vida. O momento foi difícil e de grande perigo, mas Cecília não se furtou a ajudar. Foi para a cozinha e alimentava os necessitados.

Desde quando chegou a Tangará da Serra se dedicou a causas sociais, inclusive, mesmo sendo espírita, não se importava com a denominação, desde que fosse para ajudar o próximo. Participou avidamente da Associação Nippo Japonesa e ajudou imensamente nas ações para construção da Igreja Holiness.

Fez tudo que pode para ajudar e com isso marcou sua passagem pela terra. Mas marcou bem mais em Tangará da Serra que reconhecendo o papel crucial de Cecília no município, denominou uma escola com seu nome. Cecília partiu vítima de um infarto fulminante que ceifou sua vida em 29 de janeiro 2015, sendo no domingo o oitavo ano de sua partida.

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